Resident Evil Village chega em um momento interessante da série. A Capcom tem levado o feedback dos fãs em conta no desenvolvimento dos últimos jogos, e com Resident Evil 7 e sua sequência, Village, a desenvolvedora parece ter abraçado a ideia de contar histórias mais pessoais, estreladas por um elenco (quase) novato. Nosso Especial Resident Evil segue com a análise completa do oitavo capítulo da maior franquia survival horror de todos os tempos.
Neste artigo, você vai conferir nossas impressões sobre os seguintes aspectos de Resident Evil Village:
- História e relação de continuidade com Resident Evil 7
- Semelhanças com Resident Evil 4
- Estrutura
- Análise de rejogabilidade
- Apresentação visual e design de som
Resident Evil Village analisado por todos os ângulos e perspectivas
A meta nas análises do Gameverso é passar o máximo de tempo possível com o jogo, destravando – e desbravando – todos os modos disponíveis, ou o suficiente para aliar a experiência inicial ao potencial valor de rejogabilidade da obra.
No caso de Resident Evil Village, é notável o esforço dos designers para surpreender veteranos do jogo anterior e, ao mesmo tempo, adaptar a série a tendências modernas como mapa aberto e sistema de crafting.
Vamos lá!
Ah, e podem ficar tranquilos: não há spoilers da história em nossa análise. Todas as informações sobre personagens e trama foram divulgadas em sinopses e trailers oficiais.
1. Resident Evil 7, parte dois
Ethan e Mia, ô casal azarado. O cara testemunhou sua namorada sendo possuída por um vírus-menina-demônio, teve mão e pé decepados e ainda se viu ameaçado por uma família de lunáticos que em nada deve ao pessoal do Massacre da Serra Elétrica.
Com inteligência, força e uma pitada de sorte, Ethan e Mia conseguiram sobreviver a toda aquela desgraceira e se reencontraram com a tranquilidade para gerar uma mini-pessoa, Rose, ainda bebê nos eventos deste novo capítulo.
Não deve ser surpresa pra ninguém que aquela paz não durou muito tempo. Em uma noite qualquer, sem a mínima explicação, Mia foi assassinada a meio metro do companheiro, a sangue frio, por ninguém menos que o próprio Boxeador de Rochas, Chris Redfield.
Como se não bastasse, Chris levou Rose consigo e ainda tentou arrastar Ethan para algum outro lugar, até que o carro que levava o protagonista capotou e Ethan acordou, mais uma vez, obrigado a viver uma situação aterrorizante. À sua frente, só neve e escuridão.
Resident Evil Village se passa em um vilarejo isolado na Europa com costumes e tecnologia estranhamente datados. Das ruas à decoração nas casas, a vila do título não parece ter saído dos anos 40 até hoje. Ethan chega ao local, deserto em um primeiro instante, e logo é atacado pelo principal monstro do jogo, uma espécie de zumbi lobisomem, que provará ser um obstáculo árduo na busca pela pequenina Rose.
Resident Evil Village conclui a história de Ethan com reviravoltas surpreendentes que fazem o possível para amarrar pontas mal resolvidas da aventura anterior, ainda que a nova trama não disfarce totalmente os furos.
Em especial, a motivação de um dos personagens centrais não convence, e há ainda um segredo revelado no fim que nos faz questionar a lógica do vilão esse tempo todo. Ao menos os vilões secundários compensam a caricatura do(a) malvado(a) principal, com destaque para – sim! – a já amplamente memeficada Lady Dimitrescu. Dito isso, a narrativa é eficiente ao conduzir Ethan em sua desesperada jornada desde os minutos iniciais, e as descobertas ligadas a Resi 7 nos fazem querer visitar a casa dos Baker mais uma vez.
Resident Evil 7 é imprescindível para entender o enredo de Village, e a própria sequência oferece, na tela-título, um vídeo que resume os eventos mais importantes na saga de Ethan até aqui.
Mas não confie só no videozinho de retrospectiva para se situar: se você ainda não jogou Resi 7, faça-o antes de Village, pois a trama não é o único aspecto diretamente relacionado ao pesadelo vivido por Ethan na Louisiana; a base do design em Resident Evil Village é praticamente uma cópia em papel-carbono de seu antecessor.
A perspectiva em primeira pessoa, por exemplo, que dividiu opiniões em Resident Evil 7, está de volta. Dá pra dizer que quatro anos foi tempo suficiente para nos acostumarmos à mudança, embora a Capcom tenha lançado duas reimaginações com visão acima do ombro nesse intervalo: Resident Evil 2 Remake e Resident Evil 3 Remake.
E é bom mesmo que a gente esteja familiarizado com o estilo first person, porque a ação no oitavo jogo demanda mais que em Resident Evil 7. Os zumbisomens são rápidos e mais inteligentes que os monstros de mofo de Resi 7, uma decisão que deve ter sido impulsionada pela facilidade que tínhamos para lidar com os desengonçados Molded, pouco numerosos e incapazes até de abrir portas leves.
Lamentavelmente, Village acaba se aproximando demais do outro extremo da escala, exagerando na colisão dos grabs inimigos – que às vezes parecem se teletransportar pra cima do personagem – e nas lutas contra grupos grandes, onde todas essas alterações culminam em confrontos bagunçados e nada fáceis de controlar. No geral, em Village, o jogador precisa ficar duplamente alerta.
Apesar desse aumento na intensidade, o combate segue o modelo de Resident Evil 7, com o botão de bloqueio (ainda engraçadíssimo… será que dá mesmo pra defender uma tonelada de impacto botando a mão na frente do rosto?) e poucas novidades no repertório inato de Ethan.
Mas é claro, o protagonista não passaria o jogo inteiro sendo menos capaz que seus oponentes. Para equilibrar esse handicap no combate, Resident Evil Village recorre a outra fonte de inspiração…
2. Resident Evil 4, parte dois
Sem dúvida o título mais prestigiado na era moderna da série, Resident Evil 4 empresta quase todo o seu template de design a Village, desde os ambientes – vila, castelo – até Duke, versão 2021 do simpático vendedor que nos ajudou no mochilão europeu de Leon. Quando derrotados, os monstros em Resident Evil Village derrubam munição e dinheiro – a moeda aqui é a Lei, literalmente –, usado na loja de Duke para ampliar o arsenal de Ethan.
A attaché case, clássica maleta-inventário de Resident Evil 4, também foi reciclada para a nova sequência, com aquele mesmo jeitão de Feng Shui de terror que nos torna obcecados por arrumar os quadradinhos a cada novo item.
Infelizmente, apesar da boa intenção, a execução dessas ideias deixou um pouco a desejar.
As armas em Resident Evil Village são sempre ultrapassadas pela próxima de sua categoria. Se você encontrar uma Shotgun pelo mapa, é certeza de que as stats dela são superiores às da sua Shotgun atual, mesmo com upgrades. Já em Resident Evil 4, cada arma possui suas vantagens – como a primeira Handgun do jogo, que conta com a maior porcentagem de dano crítico da classe, mesmo se comparada com pistolas encontradas mais pra frente.
Além disso, as armas em Resident Evil 4 oferecem um ótimo plano de relacionamento através do Exclusive, um upgrade final com uma melhoria bem mais significativa que incentiva o jogador a carregar o mesmo equipamento por bastante tempo. Essa opção não aparece em Village.
Nem mesmo os upgrades comuns em Resident Evil Village foram bem planejados, alguns custando uma fortuna para um mísero crescimento de 0.1 ponto. E em sua maioria, os upgrades não são liberados pelo Duke com uma frequência aceitável. Acontece de passarmos horas sem o próximo avanço de dano, e quando ele vem, não justifica a espera.
Por fim, os preços da lojinha a partir do ato final são exorbitantes, mesmo se todos os tesouros do mapa foram adquiridos anteriormente. Passa a impressão de que o jogo quer continuar a estratégia de economia no próximo loop da história, o que seria justo se ainda não tivéssemos umas boas duas horas de desafios para resolver.
A progressão de upgrades em Resi 4 é de fato uma raridade no gênero, muito difícil de replicar, mas Village tropeça em distribuições básicas de valor, o que acaba comprometendo o ritmo do jogo desnecessariamente.
3. Estrutura familiar com sensibilidade moderna
Resident Evil Village possui uma variedade exemplar de cenários de jogo, entre fortalezas de puro combate, chefes monumentais e solução de puzzles, incluindo um segmento “calmo” que sem a menor dúvida teria entrado em nosso Top 9 sustos de Resident Evil se a lista tivesse sido concebida depois do novo lançamento. Se contar mais, estraga.
Ao mesmo tempo, Village se sai bem ao unir a rotina de gameplay já estabelecida pela série – procura chave, abre porta, conserva munição, etc. – a tendências de gerações recentes. Após certo progresso na história, o mapa da vila se transforma em uma cidade aberta, cheia de tesouros, caminhos opcionais e lutas únicas.
O jogo marca no mapa pontos de interesse como poços e baús de tesouro, nos enviando em uma quest mais duradoura e às vezes mais recompensadora que as missões principais. Alguns monstros especiais também passam a vagar pelo território, à espera de um longo e intenso confronto, acontecimento comum em jogos estilo Dark Souls.
O sistema de crafting, que esteve em todas as edições de Resident Evil desde 7, tem importância maior aqui. Não só podemos criar qualquer tipo de munição, com materiais encontrados o tempo todo pelas áreas do mapa, como é possível caçar animais e entregá-los para Duke – chef talentoso, ainda por cima! –, que prepara refeições revigorantes que aprimoram a energia, rapidez e o bloqueio de Ethan.
4. Longevidade com liberdade
Resident Evil Village oferece o mesmo sistema de pós-jogo visto em Resident Evil: Revelations 2 e Resi 3 Remake: uma loja in-game onde podemos trocar pontos acumulados em desafios pré-estabelecidos por prêmios como armas, munição infinita e galeria de arte.
E assim como Rev 2 e o remake de Nemesis, as recompensas aqui podem ser usadas em qualquer modo de dificuldade, transformando o pós-jogo em um imenso playground onde o jogador faz suas próprias regras. Quer voar pela dificuldade mais alta sem crise? Compre a loja quase toda e pronto. Prefere um desafio maior? Ignore a loja.
Também retorna a Village o popular modo Mercenaries, que fez um baita sucesso entre Resident Evil 4 e 6. Nele, o jogador deve exterminar o maior número de inimigos dentro do tempo limite.
O design deste Mercs é mais direcionado que o caos alucinante dos antigos, incorporando a lojinha de Duke e habilidades temporárias exclusivas, como aumento de dano se o alvo estiver distante. Mercenaries vale como curiosidade e (mais uma) homenagem a Resident Evil 4.
Finalmente, Resident Evil Village resgata outra herança de Resi 4: o New Game Plus. É só continuar o mesmo arquivo depois de terminada a história e ela recomeça com seu inventário anterior intacto. A dificuldade mais alta, Village of Shadows, parece inclusive ter sido planejada especificamente para as vantagens do NG+, sendo um completo tormento em condições normais. Até inimigos básicos exigem de 20 a 30 balas até cair.
Village of Shadows é decepcionante especialmente se comparado ao modo Madhouse em Resident Evil 7, que aumenta o desafio e reorganiza o labirinto sem a necessidade de usar itens do pós-jogo. Não se surpreenda se a Capcom lançar um patch para reduzir a dificuldade de Village of Shadows, como já havia feito com o modo No Hope em Resident Evil 6.
Mesmo com esse tropeço, em sua totalidade, Resident Evil Village tem bom valor de replay. Os desafios que alimentam a loja pós-jogo cobrem essencialmente todo o conteúdo da aventura, desde os tesouros até a caça de animais, passando ainda pelo modo Mercenaries e incluindo condições intrigantes como zerar a história apenas com a faca. A campanha em si flui bem e nos convida a novas velhas visitas por mérito do próprio design.
5. RE Engine cada vez mais refinado
Uma das imagens mais belas em Resident Evil Village aparece logo no começo: o rosto do zumbisomem focalizado com todos os detalhes e iluminação forte, sem esconder uma única marca nas sombras, e tudo isso enquanto o nosso corpo é deliciosamente mastigado. Bem, ‘deliciosamente’ fica por conta do monstro.
O RE Engine, criado para a série Resident Evil e depois adaptado para Devil May Cry, evolui fácil a cada edição, trazendo feições expressivas, texturas realistas e cores e luz vivas. Uma comparação que simboliza esse desenvolvimento de forma evidente é Mia.
A diferença de qualidade entre os modelos da personagem em Resi 7 e na nova sequência é gritante.
Igualmente impressionante é a ambientação de Resident Evil Village, destacando-se o Castelo Dimitrescu, com seus majestosos lustres, cômodos e iluminação aconchegantes, a vila em meio às tempestades de neve, e outra área mais tarde que é melhor não spoilar, mas que faz um trabalho excepcional de integração de todos os aspectos do design (itens, tesouros, inimigos) dentro da sua temática.
E como não tem sido diferente nos últimos títulos da série, o som em Resident Evil Village é espetacular, dos ecos nos corredores (um metal caindo no chão nunca foi tão perturbador) aos confortáveis cliques das armas, sem esquecer, claro, os horripilantes berros e uivos dos zumbisomens Lycan.
Uma história que chega ao fim
Resident Evil Village empresta conceitos centrais da obra-prima Resident Evil 4 enquanto segue naturalmente a trilha de seu antecessor direto, construindo uma experiência de survival horror atual e satisfatória, ainda que apresente falhas incompreensíveis como a distribuição de armas e valores de dano.
A trama conclui a saga de Ethan e o estabelece como mais um protagonista memorável em uma franquia que já tem vários heróis marcantes. A gente espera, de coração, que Ethan apareça mais alguma vez por aí, tendo seu braço arrancado violentamente e colado de volta com Merthiolate.
Resident Evil Village não figura entre os Top 9 melhores Resident Evil, mas ainda assim, a mais nova encarnação do medo em primeira pessoa vale demais a pena.
E a história da série, vai pra onde agora? Teremos outro conto pessoal, como foram Resident Evil 7 e Village, ou será que vem por aí uma nova etapa da épica perseguição de Chris, Jill e Leon aos responsáveis pelo terror biológico?
… ai, ai. Falta muito pra Resident Evil 9?
Resumão – Resident Evil Village |
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+ segue o estilo de Resident Evil 7 de maneira natural e progressiva |
+ empresta algumas das melhores ideias de Resident Evil 4, ainda que não sejam perfeitamente executadas aqui |
+ se adapta bem a tendências modernas, como o mapa aberto e cheio de tesouros e surpresas, sistema de caça e crafting |
+ conclui a história de Ethan com reviravoltas interessantes e introduz alguns vilões memoráveis |
+ apresentação visual e som impecáveis |
+ pós-jogo estilo playground, onde o jogador faz as suas regras |
– valores de dano e colisão pouco balanceados, especialmente no modo Village of Shadows |
– novas armas substituem as anteriores sem decisão estratégica por parte do jogador |
– preços da loja exorbitantes no ato final |
Nota final: 8/10 |
Conteúdo zerado em Resident Evil Village:
- História principal (Hardcore, Village of Shadows)
- Todos os tesouros e side-quests (Hardcore, Village of Shadows)
- 58 dos 70 desafios/challenges conquistados
- Mercenaries
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